As exportações de alta tecnologia chegaram ao valor mais alto da série em 2022. Telecomunicações e farmacêutica dominam, mas há áreas a crescer como os instrumentos científicos e aeroespacial
O perfil de exportação de Portugal tem vindo a mudar e a tecnologia está a começar a afirmar-se. No ano passado, as exportações de produtos de alta tecnologia superaram os quatro mil milhões de euros, o valor mais elevado dos últimos dez anos. Os produtos eletrónicos da área das telecomunicações são os que têm mais saída, mas áreas como a aeroespacial têm vindo a ganhar destaque, com Portugal a “afirmar-se cada vez mais na indústria aeroespacial e a ficar debaixo de olho de outros países como Alemanha, França e Itália”, como diz o CEO da Lusospace ao ECO.
As exportações de produtos de alta tecnologia subiram 36,1% em 2022, segundo revelam os dados do Instituto Nacional de Estatística, atingindo 4.065 milhões de euros. É o segundo maior crescimento após 2019, altura em que foi impulsionado pelo aumento das exportações de material aeroespacial, nomeadamente veículos aéreos com propulsão a motor.
Apesar de em 2020, no ano da pandemia, as exportações na alta tecnologia terem sofrido um revés, estão já a recuperar. Olhando para o peso no total das vendas para o exterior, os produtos de alta tecnologia representaram 5,2% das exportações totais de bens no ano passado.
“A indústria tecnológica em Portugal tem-se vindo a afirmar no contexto interno e externo muito impulsionada pelo capital humano formado pelas nossas escolas de engenharia, pela capacidade do nosso tecido empresarial, aquele que se soube preparar, inovar para se adaptar aos diferentes processos de transformação a que é exposto, mas acima de tudo pela capacidade de enfrentarmos desafios que põem em causa a nossa capacidade instalada e nos obrigam continuamente a superar-nos e com isso a criar novas competências geradoras de valor e capazes de responder aos desafios do mercado global”, defende Vladimiro Cardoso Feliz, diretor do Centro de Engenharia e Desenvolvimento de Produto (CEiia) by Colab, Smart & Sustainable Living, ao ECO.
O CEiiA está orientado para a “conceção, desenvolvimento e operação de novos produtos e serviços para indústrias tecnologicamente avançadas, não só do espaço e aeronáutica, como também do setor automóvel, mobilidade e economia do mar“, com destaque para os mercados de Europa e Mercosul. A procura é maior “em mercados consolidados, nomeadamente no mercado aeronáutico e automóvel europeu, ao nível dos serviços de engenharia, e uma procura cada vez mais exigente em mercados emergentes nomeadamente na área da sustentabilidade (mobilidade e cidades e espaço)”, adianta o responsável.
Segundo os dados do INE, os produtos eletrónicos nas telecomunicações, os produtos farmacêuticos e as máquinas elétricas são os principais produtos de alta tecnologia exportados, representando mais de três quartos das exportações.
No entanto, outras áreas têm vindo a ganhar destaque, como a aeroespacial. A Lusospace é uma das empresas deste setor, trabalhando “neste momento na área do espaço e a produzir equipamentos para satélites“, que é “uma área que está a crescer bastante”, conta o CEO, Ivo Vieira. A exportação representa 95% do volume de negócios, nos 2,5 milhões de euros, e os principais mercados são Alemanha, França, Itália, Holanda e Reino Unido.
No plano geral, o INE indica que Espanha foi o principal destino das exportações nacionais de produtos de alta tecnologia em 2022, ultrapassando a Alemanha, que ficou em segundo lugar com 691 milhões de euros. Isto deveu-se essencialmente a um aumento nas vendas de produtos eletrónicos, nomeadamente dispositivos semicondutores. Já os Estados Unidos e França ocupam, respetivamente, as terceira e quarta posições enquanto principais clientes das exportações portuguesas de alta tecnologia.
A empresa de engenharia aeroespacial, que emprega 25 pessoas, está atualmente a desenvolver um “projeto de uma constelação de dois satélites” que acreditam que “vai mudar o panorama português espacial”. Além disso, no ano passado, ganharam um projeto de 4,5 milhões de euros para fornecer um equipamento espacial para uma empresa alemã, o que, para a sua dimensão, “é um projeto enorme e contribui para aumentar as exportações”. “Calculamos que vai aumentar as exportações em 30%”, acrescenta o presidente da Lusospace.
Para Ivo Vieira, “o que distingue Portugal é a capacidade de inovação e preços mais competitivos que o exterior”. “Portugal está a conseguir subir na cadeia de valor e criar produtos e serviços inovadores”, defende o CEO da empresa que é ainda responsável pela implementação de uma componente da Agenda New Space Portugal, enquadrada no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).
A operar no setor aeroespacial está também a Tekever, cujas exportações representam mais de 90% do volume de negócios, “com tendência a aumentar”, como adianta o CEO. Esta empresa, que tem mais de 400 trabalhadores com vista a crescer a equipa, “opera no mercado mundial, com particular incidência na Europeu, no sudoeste Asiático, na África Ocidental e na América do Norte”, conta Ricardo Mendes ao ECO.
“As principais exportações dizem respeito a produtos e serviços de muito elevado valor acrescentado e intensidade tecnológica na área aeroespacial”, indica, como “Intelligence-as-a-Service, apoiando os nossos clientes a vigiar e proteger vastas extensões e infraestruturas críticas; Sistemas Aéreos Não Tripulados, incluindo equipamentos e serviços relacionados e Sistemas Espaciais, incluindo equipamentos e serviços relacionados”.
Ricardo Mendes defende que “Portugal tem feito um investimento considerável no setor aeroespacial”, sendo que “já há várias décadas que as universidades portuguesas formam profissionais excelentes que, em larga escala, tendem a emigrar ou a integrar empresas de capital maioritariamente estrangeiro”. “As empresas do setor estão tradicionalmente focadas na produção de componentes e subsistemas, e na sua comercialização juntos dos grandes fabricantes Europeus e internacionais”, destacando que “uma parte significativa das empresas do setor são dominadas por capital estrangeiro”.
A Tekever está a tentar contribuir para “uma estratégia setorial assente na criação de cadeias de valor nacionais para produtos e serviços de elevado valor acrescentado, que possam ser comercializados no mercado mundial diretamente junto de clientes finais”, explica o CEO, tendo como objetivo “capturar maior valor para as empresas portuguesas, tornando-as mais competitivas e resilientes, bem como mais aliciantes para os jovens engenheiros”.
Vladimiro Feliz salienta também que a “indústria aeroespacial nacional tem vindo, com base numa estratégia consistente de longo a prazo, a encontrar o seu espaço. “São disso exemplo a participação do CEiiA, e de um conjunto de players nacionais no processo de desenvolvimento e industrialização do KC-390, onde o CEiiA foi responsável pelo desenvolvimento de dois terços da aeroestrutura deste avião, a participação do CEiiA em parceria com a empresa alemã RFA no desenvolvimento de um lançador de microssatélites ou do operador de satélites Geosat, que opera de dois satélites de muita alta resolução e que faz como que, a par da Airbus, seja o segundo maior operador europeu neste domínio”, enumera.
O responsável adianta ainda que o CEiiA “está também a trabalhar no desenvolvimento do primeiro avião português, o Lus 222, que vai potenciar a integração do ecossistema aeronáutico português em toda a cadeia de valor da aeronave”.
Apesar do desempenho, as importações de produtos de alta tecnologia continuam a superar as exportações. Ainda assim, o setor acredita que há espaço para crescer.
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